{"id":3525,"date":"2022-10-31T15:39:04","date_gmt":"2022-10-31T15:39:04","guid":{"rendered":"https:\/\/circulareconomy.pt\/?p=3525"},"modified":"2022-11-09T09:04:30","modified_gmt":"2022-11-09T09:04:30","slug":"penso-logo-habito-arquitetura-participada-e-sustentavel","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/circulareconomy.pt\/en\/penso-logo-habito-arquitetura-participada-e-sustentavel\/","title":{"rendered":"Penso, logo habito: arquitetura participada e sustent\u00e1vel"},"content":{"rendered":"\n
O edificado consome 40% da energia produzida na Europa. Da extra\u00e7\u00e3o e processamento dos materiais de constru\u00e7\u00e3o ao aquecimento dos espa\u00e7os, a pegada carb\u00f3nica e material dos lugares onde vivemos e trabalhamos \u00e9 imensa. Ao mesmo tempo, 19% da popula\u00e7\u00e3o portuguesa vive em situa\u00e7\u00e3o de pobreza energ\u00e9tica, muitas vezes em casas de baixa qualidade, com repercuss\u00f5es na sa\u00fade. E o setor da constru\u00e7\u00e3o \u00e9 dos menos circulares no nosso pa\u00eds; tanto o ecodesign como a reutiliza\u00e7\u00e3o e a reciclagem de materiais de constru\u00e7\u00e3o s\u00e3o muito incipientes. 90 % dos portugueses n\u00e3o t\u00eam conforto t\u00e9rmico em casa. N\u00e3o s\u00e3o apenas as pessoas em situa\u00e7\u00e3o de pobreza que conhecem os invernos das mantas e da humidade; a m\u00e1 qualidade do edificado \u00e9 geral e afeta tamb\u00e9m as classes m\u00e9dias<\/strong>. Esta entrevista<\/strong><\/a> do investigador Jo\u00e3o Pedro Gouveia (CENSE \u2013 UNL) \u00e9 esclarecedora. S\u00f3 no in\u00edcio dos anos 90 \u00e9 que Portugal produziu regulamentos para as caracter\u00edsticas t\u00e9rmicas das constru\u00e7\u00f5es (isolamento, ventila\u00e7\u00e3o, produ\u00e7\u00e3o de energia), quando outros pa\u00edses europeus se tinham dotado desses instrumentos d\u00e9cadas antes. Assim, o boom de constru\u00e7\u00e3o a que assistimos nos anos 80 e 90 resultou num parque habitacional sem isolamento, com vidros simples e sem solu\u00e7\u00f5es de climatiza\u00e7\u00e3o integradas.<\/p>\n\n\n\n \u00c9 preciso renovar e reabilitar.<\/strong> N\u00e3o s\u00f3 para melhorar o desempenho material e energ\u00e9tico dos edif\u00edcios, mas tamb\u00e9m para devolver \u00e0s cidades os seus pr\u00e9dios degradados e devolutos \u2013 espa\u00e7os desaproveitados que empurram pessoas para a periferia, com custos energ\u00e9ticos e de qualidade de vida. Esta necessidade est\u00e1 presente em v\u00e1rias regi\u00f5es da Europa, e por isso a UE quer promover at\u00e9 2030 uma Renovation Wave<\/strong><\/a>.<\/p>\n\n\n\n No PRR (Plano de Recupera\u00e7\u00e3o e Resili\u00eancia) portugu\u00eas, h\u00e1 verbas importantes a serem disponibilizadas neste \u00e2mbito. Trata-se, por um lado, de melhorar o desempenho material e energ\u00e9tico dos edif\u00edcios, e por outro, mais importante, de fomentar o acesso \u00e0 habita\u00e7\u00e3o, nomeadamente habita\u00e7\u00e3o a custos acess\u00edveis.<\/strong> O patrim\u00f3nio p\u00fablico devoluto do Estado, que \u00e9 significativo e dever\u00e1 ser reabilitado para esse fim, tem uma linha de financiamento dedicada. Diz o plano que \u201ca promoc\u0327a\u0303o de construc\u0327a\u0303o nova deve proporcionar um patamar de necessidades de energia, no mi\u0301nimo, 20% mais exigente que os requisitos NZEB (Nearly Zero Energy Building), no que respeita ao consumo de energia prima\u0301ria, bem como, no caso de obras de reabilitac\u0327a\u0303o, uma melhoria do desempenho energe\u0301tico dos edifi\u0301cios.\u201d<\/p>\n\n\n\n A Critical Concrete conhece bem as defici\u00eancias da habita\u00e7\u00e3o em Portugal, sobretudo no Porto e arredores, nos bairros de baixos rendimentos que constituem o seu terreno de a\u00e7\u00e3o preferencial. Em projetos que contam normalmente com o envolvimento de autarquias e da popula\u00e7\u00e3o residente, planeia e executam interven\u00e7\u00f5es de melhoria de espa\u00e7os residenciais e p\u00fablicos. Ao bet\u00e3o e alvenaria preferem materiais biog\u00e9nicos<\/strong> (e de desempenho t\u00e9rmico superior) como a madeira e o c\u00e2nhamo<\/strong> \u2013 o que n\u00e3o deixa de provocar estranheza junto dos benefici\u00e1rios das interven\u00e7\u00f5es. \u00c9 mais um entre os muitos temas do di\u00e1logo entre arquitetos e usu\u00e1rios, a tal dimens\u00e3o participada que pauta o trabalho tanto da Critical Concrete como do Coletivo Warehouse.<\/p>\n\n\n\n Falou-se muito de participa\u00e7\u00e3o e dos seus desafios. Convidar o futuro usu\u00e1rio de um espa\u00e7o (p\u00fablico) a participar na sua conce\u00e7\u00e3o n\u00e3o se resume a perguntar-lhe o que deseja. \u00c9 preciso previamente abrir horizontes<\/strong> (trazer possibilidades para cima da mesa, romper as barreiras do que \u00e9 familiar) e dispor de instrumentos (imagens, din\u00e2micas l\u00fadicas) que facilitem a formula\u00e7\u00e3o desses desejos. Num projeto para uma biblioteca escolar no Senegal, os arquitetos do Coletivo Warehouse come\u00e7aram por p\u00f4r as crian\u00e7as a desenhar a planta da biblioteca existente, para as familiarizar com a linguagem visual da arquitetura.<\/p>\n\n\n\n Segundo n\u00fameros da Ag\u00eancia Portuguesa do Ambiente (APA), Portugal produziu em 2018 cerca de 2,5 milh\u00f5es de toneladas de res\u00edduos de constru\u00e7\u00e3o e demoli\u00e7\u00e3o. Isto representa 16 % do total de res\u00edduos gerados nesse ano. Na Europa, o peso m\u00e9dio anual desses res\u00edduos no c\u00f4mputo total \u00e9 de 35 %. Quem conhece o setor da constru\u00e7\u00e3o em Portugal sabe que \u00e9 pr\u00e1tica comum o abandono de entulho de obra no mato e na berma da estrada; n\u00e3o \u00e9 arriscado concluir que a maior parte do lixo gerado na reabilita\u00e7\u00e3o e edifica\u00e7\u00e3o n\u00e3o entra nas contas da APA<\/strong>. Como se evolui de uma situa\u00e7\u00e3o em que at\u00e9 os n\u00fameros dos res\u00edduos s\u00e3o desconhecidos para pr\u00e1ticas construtivas baseadas na reutiliza\u00e7\u00e3o? O caminho \u00e9 \u00e1rduo e cheio de barreiras. Demonstrando o potencial da desconstru\u00e7\u00e3o seletiva e reutiliza\u00e7\u00e3o a uma escala superior, o projeto Cadran Solaire<\/strong><\/a>, que decorreu nos arredores de Grenoble (Fran\u00e7a) em 2021, merece an\u00e1lise. Um hospital militar desafetado foi integralmente desconstru\u00eddo; para promover a reutiliza\u00e7\u00e3o de recursos e o envolvimento da comunidade, foi criada uma loja pop-up no pr\u00f3prio estaleiro<\/strong>, aberta aos fins de semana, onde as pessoas podiam n\u00e3o s\u00f3 adquirir materiais provenientes da desconstru\u00e7\u00e3o como tamb\u00e9m frequentar workshops de upcycling em que se experimentavam transforma\u00e7\u00f5es e aplica\u00e7\u00f5es criativas para os recursos em quest\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n O que acontece quando se projeta um edif\u00edcio de raiz numa perspetiva de economia circular? Olhemos para este outro exemplo vindo de Fran\u00e7a. Aqui, o dono de obra \u00e9 a Envie, uma rede de 50 empresas de inser\u00e7\u00e3o cuja atividade central \u00e9 a recolha e processamento de equipamentos el\u00e9tricos e eletr\u00f3nicos descartados. Em Fran\u00e7a, a empresa de inser\u00e7\u00e3o corresponde a uma figura jur\u00eddica particular, sendo seu objetivo proporcionar um emprego de transi\u00e7\u00e3o a pessoas com dificuldade de acesso ao mercado de trabalho normal. Estamos ent\u00e3o a falar de uma organiza\u00e7\u00e3o com uma dupla miss\u00e3o, social e ambiental.<\/p>\n\n\n\n O edif\u00edcio que a Envie criou em Paris<\/strong><\/a> serve de escrit\u00f3rio, loja social e laborat\u00f3rio circular. Vejamos algumas das suas particularidades: cobertura verde; design frugal (sem acabamentos); forte aposta na reutiliza\u00e7\u00e3o, que representa 45% do peso dos materiais <\/strong>(a madeira da fachada prov\u00e9m de stock morto, as tintas s\u00e3o desperd\u00edcios, divis\u00f3rias e mobili\u00e1rios incorporam materiais de recupera\u00e7\u00e3o \u2013 como as inconfund\u00edveis portas das m\u00e1quinas de lavar roupa).<\/p>\n\n\n\n Tamb\u00e9m aqui estamos perante um projeto demonstrador, nascido da vontade manifesta de derrubar barreiras e explorar possibilidades. No setor da constru\u00e7\u00e3o e reabilita\u00e7\u00e3o em Portugal, projetos destes s\u00e3o extremamente necess\u00e1rios.<\/strong> Organiza\u00e7\u00f5es como a Critical Concrete e o Coletivo Warehouse levam anos de trabalho nesta \u00e1rea, mas a arquitetura sustent\u00e1vel e participada precisa de sair do nicho e tornar-se uma verdadeira ferramenta da transi\u00e7\u00e3o ecol\u00f3gica.<\/p>\n\n\n\n SABER MAIS<\/p>\n\n\n\n A Roadmap to foster reuse practices in the construction sector<\/strong><\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" O edificado consome 40% da energia produzida na Europa. Da extra\u00e7\u00e3o e processamento dos materiais de constru\u00e7\u00e3o ao aquecimento dos espa\u00e7os, a pegada carb\u00f3nica e material dos lugares onde vivemos e trabalhamos \u00e9 imensa. 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A transi\u00e7\u00e3o ecol\u00f3gica exige novas formas de habitar. Qual \u00e9 o papel da arquitetura neste processo? No \u00e2mbito do Festival Umundu, organiz\u00e1mos uma conversa sobre o tema. Connosco na bela biblioteca de Alc\u00e2ntara estiveram Samuel Kalika<\/strong>, da Critical Concrete<\/a>, e R\u00faben Teodoro<\/strong>, do Coletivo Warehouse<\/a>.<\/strong> [Foto de capa: Critical Concrete].<\/p>\n\n\n\nRenovar e reabilitar: da pobreza energ\u00e9tica \u00e0 riqueza do di\u00e1logo<\/h3>\n\n\n\n
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Reutilizar: h\u00e1 vida depois da desconstru\u00e7\u00e3o<\/h3>\n\n\n\n
A lei portuguesa obriga \u00e0 incorpora\u00e7\u00e3o de 10 % de materiais reciclados em todas as obras p\u00fablicas. Mas para reduzir o desperd\u00edcio no setor da constru\u00e7\u00e3o, n\u00e3o bastam imposi\u00e7\u00f5es legais como esta (haja meios para as implementar e fiscalizar); \u00e9 preciso torcer o mercado. Enquanto os agregados naturais continuarem a ser t\u00e3o baratos, o aproveitamento n\u00e3o tem como se desenvolver, e \u00e9 por isso que a ideia de aplicar taxas aos minerais de constru\u00e7\u00e3o virgens vai ganhando for\u00e7a (e exemplos) na Europa.
O PAEC (Plano de A\u00e7\u00e3o para a Economia Circular) europeu postula, entre outras coisas, a realiza\u00e7\u00e3o de auditorias de res\u00edduos antes das obras de demoli\u00e7\u00e3o e renova\u00e7\u00e3o. Identificar e documentar materiais \u00e9 o primeiro passo para promover a sua reutiliza\u00e7\u00e3o. Depois, seguem-se desafios v\u00e1rios: desenvolver aplica\u00e7\u00f5es vi\u00e1veis para os materiais secund\u00e1rios; encontrar utilizadores; aceder a espa\u00e7os de armazenamento; e angariar a m\u00e3o de obra especializada (escassa e cara) para desconstruir e preparar estes materiais.<\/strong>
Quando se esbarra em perman\u00eancia nas dificuldades inerentes a um sistema de constru\u00e7\u00e3o assente numa l\u00f3gica linear dos processos construtivos atuais, \u00e9 importante o desenvolvimento de experi\u00eancias piloto que permitam ir testando e divulgando alternativas. O projeto da cozinha do Bairro das Terras da Costa (2012-2014), em que o Coletivo Warehouse esteve envolvido, demonstra como as estruturas podem ter v\u00e1rias vidas<\/strong>. A cozinha comunit\u00e1ria, idealizada pelos habitantes deste bairro ilegal, foi constru\u00edda com madeira vinda do projeto da Casa do Vapor (centro cultural ef\u00e9mero, ativo durante o ver\u00e3o de 2013), que por sua vez era j\u00e1 um reaproveitamento de estruturas criadas no \u00e2mbito da Capital Europeia da Cultura (2012), em Guimar\u00e3es.<\/p>\n\n\n\n<\/figure>\n<\/div>\n\n\n\n
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Ecodesign: projetar com e para os ciclos dos materiais<\/h3>\n\n\n\n
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