Portugal é um dos maiores produtores e consumidores de vinho da Europa. Todos os dias cerca de 690 milhares de garrafas de vidro são descartadas. Em 2020, pouco mais que metade (53%) do vidro de embalagem foi reciclado, enquanto o objetivo é 75% em 2030. No entanto, a reciclagem não é a opção mais circular. A reutilização das garrafas é ainda mais sustentável para o ambiente, como demonstra um projeto piloto espanhol – ReWINE. Este projeto mostrou os desafios e benefícios do uso de garrafas reutilizáveis e oferece inspiração para a replicação em Portugal.
A sustentabilidade do vidro como material
Como material inerte, o vidro é não poroso e impermeável, não absorve sabores ou cheiros e mantém efetivamente a qualidade dos produtos. Por essa razão, é o material mais utilizado para garrafas de vinho. No entanto, a produção de vidro exige muita energia e recursos. Por isso, garrafas de utilização única têm o maior impacto ambiental comparado com outros materiais (por ex. PET, alumínio e cartão). Por outro lado, o vidro é reutilizável e 100% reciclável no final do seu ciclo de vida.
Na prática, as garrafas são quase sempre de utilização única, ou seja, são descartadas pelo consumidor após o uso, enquanto o processo da reciclagem exige muita energia e a taxa da reciclagem não é suficiente para resolver os problemas na cadeia de abastecimento. A fim de diminuir a pegada ambiental e aumentar a eficiência de uso de recursos, é necessário reutilizar as garrafas de vidro várias vezes.
A sustentabilidade da reutilização
Existem vários estudos que mostram os benefícios da reutilização, como este, da Zero Waste Europe. Poderíamos evitar até 2.6 milhões de toneladas de CO2 equivalente se adotássemos um modelo de reutilização em 50% do setor de embalagens de alimentos e bebidas até 2030. Para o conseguir, é importante criar e ampliar os sistemas de reutilização com uma logística (para o retorno das garrafas) e lavagem (para garantir a higiene) eficientes em termos de recursos. Uma análise do ciclo de vida mostra que o transporte é a fase com maior impacto no ciclo de vida da embalagem, devido às emissões causadas.
Estudo de caso: reWINE
A reWINE foi desenvolvida entre setembro de 2016 e dezembro de 2020 na região de Catalunha, em Espanha, com o objetivo de identificar as oportunidades e obstáculos na implementação de sistemas de embalagens de reutilização de garrafas1. Todos os passos no processo da reutilização das garrafas – desde a limpeza, rotulagem, reenchimento e distribuição no mercado até à sua recolha – foram considerados.
A taxa média de retorno das garrafas da reWINE foi de 54,7%, valor dependente do setor, logística e incentivos aplicados. De modo geral, os três maiores desafios observados durante o projeto foram: a complexidade de planeamento da logística; conseguir a participação de grandes retalhistas e a falta de instalações de lavagem de garrafas na Catalunha.
Do ponto de vista económico, o custo de reutilização das garrafas de vinho é, atualmente, ligeiramente superior ao de uma garrafa descartável, principalmente por causa do custo da lavagem (que depende da localização da estação de lavagem e da logística associada).
Lições aprendidas
A reutilização de garrafas no setor vinícola tem benefícios ambientais e é tecnicamente e economicamente viável, mas apresenta vários desafios práticos. Para diminuir os custos, é essencial que as localizações das instalações de lavagem estejam próximas, e que a logística seja planeada da forma mais eficiente possível.
A utilização de um modelo padronizado (com dimensões específicas) de garrafas de vinho facilitaria a logística e tratamento eficiente. Além disso, devem também ser implementadas medidas tecnológicas para aumentar a eficiência energética do processo de lavagem. Outro elemento crucial para o sucesso do sistema é a devolução das garrafas por meio do depósito e reembolso (Deposit Return Systems, ou SDR) que é a forma mais eficaz de garantir a devolução das garrafas vazias aos estabelecimentos por parte dos consumidores.
Finalmente, é necessário que as políticas estimulem sistemas de reutilização, estabelecendo metas de reutilização e medidas relativas à padronização, SDR e a Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP)2. Se a taxa aplicada a garrafas de utilização única fosse mais elevada, o incentivo para as empresas investirem em sistemas de reutilização seria maior.
1 O projeto incluiu um estudo de mercado, um plano do processo de lavagem, um teste piloto com a participação do consumidor e, por fim, a validação da viabilidade do projeto. Todos os principais atores na cadeia de valor participaram, incluindo vinícolas, centros de recolha de resíduos, bares, restaurantes, retalhistas, lojas e consumidores.
2 RAP é um instrumento político que aplica o princípio de que “o poluidor deve arcar com os custos” ao atribuir a responsabilidade do ciclo de vida completo do produto aos produtores, desde fatores como a criação de produtos menos nocivos ao meio ambiente até a gestão destes em seu fim de vida (EoL). RAP essencialmente tem como objetivo interiorizar os custos negativos ao meio ambiente e passar a responsabilidade da gestão dos produtos em seu fim de vida, assim como os resíduos provenientes destes, das mãos dos contribuintes para as mãos dos produtores.
Artigo escrito em colaboração com Lindsey Wuisan
Se quiser saber mais sobre a reWINE, leia a ficha da Zero Waste Europe