Artigo de opinião por: Catarina Carvalho
Sabia que muitos dos produtos que compramos — desde uma camisola até um telemóvel — têm
um “histórico” invisível feito de matérias-primas, energia e transporte? Pois é, tudo o que
usamos tem uma pegada ambiental, mas até agora era quase impossível sabermos exatamente de
onde vem, como foi feito e o que acontece depois.
A boa notícia é que isso está prestes a mudar. A União Europeia criou uma ferramenta inovadora
chamada Passaporte Digital de Produto (ou DPP, na sigla inglesa Digital Product Passport).
Pode pensar nele como uma espécie de “cartão de cidadão” dos produtos, que acompanha
cada artigo desde a sua criação até ao fim da sua vida útil.
O que é o Passaporte Digital de Produto?
O Passaporte Digital de Produto é um registo digital acessível por um código QR ou etiqueta
NFC (como as que já usamos para pagar com o telemóvel). Ao lê-lo com o telemóvel, você
poderá aceder a informações sobre o produto — quem o fabricou, de que materiais é feito, onde
foi produzido, se é fácil de reparar ou reciclar, e qual o seu impacto ambiental.
Resumindo: é uma forma de dar transparência total ao ciclo de vida dos produtos.
Porque é que isto é importante?
Durante décadas, o nosso modelo económico tem sido linear: produzir, usar e deitar fora. Esse
modelo gera toneladas de resíduos e gases com efeito de estufa. A Europa quer inverter essa
lógica e apostar numa economia circular, onde os produtos duram mais, podem ser reparados e
os materiais são reaproveitados.
O Passaporte Digital de Produto vai ajudar exatamente nisso — a prolongar a vida útil das coisas
e a facilitar a sua reutilização e reciclagem. Além disso, permite que você faça escolhas de
compra mais conscientes, baseadas em dados reais e não apenas em slogans de “marketing
verde”.

Como vai funcionar na prática?
A introdução deste passaporte será feita aos poucos. Os primeiros setores a adotá-lo serão os
têxteis, as baterias e os equipamentos eletrónicos — três áreas onde há muito desperdício e é
difícil saber a origem dos materiais.
Por exemplo:
● Imagine que você quer comprar uma t-shirt. Ao ler o código QR, poderá ver onde foi
fabricada, que fibras contém e se é reciclável.
● Ou, no caso de um telemóvel, poderá descobrir se é fácil de reparar, quanto tempo deve
durar e como o reciclar quando já não funcionar.
Espera-se que o sistema entre em vigor na indústria têxtil até 2027, embora cada país, incluindo
Portugal, ainda esteja a preparar as regras e as normas técnicas.
Quem está por trás desta mudança?
Por trás desta transformação está o Regulamento Europeu para o Ecodesign de Produtos
Sustentáveis (ESPR), em vigor desde julho de 2024. Este regulamento faz parte do Pacto
Ecológico Europeu — o grande plano da União Europeia para atingir a neutralidade climática até
2050.
Para preparar o terreno, a Comissão Europeia está a financiar projetos como o CIRPASS, que
junta universidades, empresas e especialistas para definir as bases técnicas e as regras de
funcionamento do Passaporte Digital de Produto.
O que vai mudar para nós, consumidores?
Muita coisa — e para melhor.
O Passaporte Digital de Produto vai permitir:
● Saber o que realmente compramos, com informação fiável sobre origem e impacto
ambiental.
● Escolher produtos mais duráveis e reparáveis, poupando dinheiro e reduzindo lixo.
● Aumentar a confiança nas marcas que são verdadeiramente sustentáveis.
No fundo, vai ajudar você a fazer parte da solução, e não do problema.
Um passo importante para o futuro
O Passaporte Digital de Produto não é apenas uma exigência burocrática. É uma ferramenta
poderosa para mudar mentalidades — tanto das empresas como dos consumidores. Vai tornar a
sustentabilidade mais transparente, prática e acessível. E, acima de tudo, vai ajudar a criar uma
Europa onde produzir e consumir de forma responsável é a norma, e não a exceção.
Em breve, olhar para a etiqueta de um produto será como ler o seu currículo — e finalmente
saberemos se aquilo que compramos é tão “verde” quanto promete ser.
Catarina Carvalho é doutoranda e investigadora no 2C2T – Centre for Textile Science and Technology, focada em soluções têxteis inovadoras que impulsionam a sustentabilidade e a transformação digital na indústria têxtil/moda.
