Fortalecer a Legislação Portuguesa Para Prevenção de Resíduos

Em 2018, um pacote de Diretivas da União Europeia (UE) foi revisto para fortalecer e melhorar a prevenção e a reciclagem de resíduos na Europa.

As medidas políticas propostas no chamado Pacote da Economia Circular deveriam ser adotadas por todos os Estados-Membros (EM) da UE, incluindo Portugal, antes de julho de 2020. No entanto, Portugal não atingiu o prazo e o processo legislativo está atrasado. A CEP convida os legisladores a acelerar o processo e adotar medidas ambiciosas para a redução da produção de resíduos e do depósito em aterros ou incineração de recursos valiosos.

Embora o total de resíduos gerados per capita seja inferior à média da UE, o volume de resíduos urbanos está acima desta média e as taxas de reciclagem estão muito aquém da média Europeia. Muitos resíduos continuam a ir para aterro: cerca de 57% dos resíduos urbanos. Em 2018, Portugal já havia recebido um aviso da Comissão Europeia de que corria o risco do não cumprimento da meta de 50% de reciclagem e preparação para reutilização até 2020. O aviso incluía recomendações sobre a implementação de taxas de recolha seletiva de resíduos, de aterro e de incineração, bem como orientações para aumentar a responsabilidade do produtor. 

Porém, mesmo com a implementação de todas estas medidas, ainda continuariam a ser produzidos muitos resíduos. De acordo com os dados divulgados no site da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em 2019 foram produzidas 5,281 milhões de toneladas (t) de Resíduos Urbanos (RU), mais 1% do que em 2018, verificando-se um ligeiro aumento na produção, quando comparado com anos anteriores (fonte). No que respeita aos resíduos urbanos biodegradáveis depositados em aterro, o valor apurado para 2019 foi 45%, ainda 10% abaixo da meta de 35%.

O Artigo 9º (1)(d) da Diretiva Quadro de Resíduos obriga os EM a incentivar a reutilização de produtos e a criação de sistemas que promovam a reparação, em especial para equipamentos elétricos e eletrónicos, têxteis e móveis, bem como embalagens e materiais de construção, a fim de evitar a produção de resíduos. 

O próximo ano é também o prazo para a diretiva relativa aos plásticos de uso único ser transposta a nível nacional. Até ao final de 2021, a UE exige que todos os EM adotem a proibição de (certos) plásticos descartáveis1. Em 2019, o Ministro do Ambiente Matos Fernandes anunciava a intenção de antecipar os prazos da UE2. Entretanto, por causa da Covid-19, o Governo decidiu adiar a proibição do uso de louça descartável na restauração e a entrada em vigor da lei foi arrastada para 2021 (fonte). 

 

Uma economia circular só será alcançada com políticas ambiciosas e medidas de regulação focadas na prevenção de resíduos por meio da produção e do consumo sustentáveis, bem como através da reutilização3 e reparação. A reutilização e a reparação são elementos-chave na transição para uma economia circular, pois prolongam a vida útil dos produtos, preservando as matérias-primas e poupando a energia utilizada para a sua produção e distribuição.

Recentemente, o European Environmental Bureau (EEB) fez uma análise das principais obrigações das diretivas sobre resíduos, identificando as melhores práticas em toda a UE e de que forma os outros Estados-Membros estimularam a prevenção de resíduos. Para inspirar o Governo, traduzimos a publicação para Português e propomos a adoção das seguintes medidas:

  1. Estabelecer metas de redução da produção de resíduos urbanos de 10% para 2025 e de 25% para 2030 (tendo por base os dados de produção de 2018): o objetivo geral deverá ser complementado por estratégias e objectivos específicos, particularmente no que concerne  desperdício alimentar4, resíduos de construção e demolição5 e têxteis, e uma meta vinculativa nacional para reutilização (como na Flandres, na Bélgica).
  2. Promover a criação de centros de reutilização e reparação em todas as cidades: apoiar a profissionalização do setor da reutilização em colaboração com as autarquias e operadores de resíduos. Dar acesso prioritário às instituições de solidariedade social que operam com bens em segunda mão, aos pontos de recolha de resíduos urbanos, a fim de fazerem a selecção de bens para reutilização (como previsto no Plano de Gestão de Resíduos de Espanha para 2016-2022)6
  3. Estabelecer incentivos financeiros para promover a reutilização e a reparação: a introdução de uma taxa reduzida de IVA de 6% para bens e serviços fornecidos por instituições de solidariedade social de reutilização/reparação (à semelhança do exemplo Belga).
  4. Reduzir em 50% o uso de copos e recipientes descartáveis para comida até 2025, e reduzir em 80% até 2030 (tendo por referência o ano de 2019): a distribuição gratuita de bebidas em copos ou garrafas de plástico descartáveis devem ser proibida a partir de 2021; o sector da restauração passaria a ser obrigado a servir as refeições e bebidas consumidas em copos, pratos, recipientes e talheres reutilizáveis a partir de 2023 (como na França). 
  5. Fortalecer a responsabilidade alargada do produtor (EPR) para a prevenção de resíduos através do ecodesign, reutilização e a reparação: seguindo os passos de França, onde a prática da obsolescência programada7 e quaisquer restrições à reparação são proibidas por lei. Os produtores8 devem implementar os princípios do ecodesign no desenvolvimento dos produtos, prolongando a sua vida útil.

Está claro que serão necessárias mais medidas estruturais, especialmente instrumentos económicos, que criem incentivos para a aplicação da hierarquia dos resíduos. Mais informação sobre este assunto aqui.

Leia aqui a publicação EEB sobre a legislação Europeia e melhores práticas


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1Cotonetes de plástico, palhinhas, pratos, talheres, agitadores de bebidas, bastões de balão, plásticos oxidegradáveis e recipientes para alimentos e copos para bebidas de poliestireno expandido. A diretiva europeia sobre os plásticos de uso único prevê a proibição da sua venda no mercado até 2021, tal como a recolha de pelo menos 77% das garrafas de plástico descartáveis colocadas no mercado, até 2025, “através de sistemas de vasilhame ou de metas específicas no âmbito os sistemas de responsabilidade alargada do produtor”.

2Governo elimina plásticos descartáveis do mercado em 2020

3Reutilização significa qualquer operação mediante a qual produtos ou componentes que não sejam resíduos, são utilizados novamente para o mesmo fim para que foram concebidos (Artigo 3º (13) WFD)

4Até 2030, reduzir em 50% o desperdício alimentar ao longo da cadeia. Para que tal aconteça será necessária a recolha de dados estruturais e a monitorização do desperdício alimentar a nível nacional. No seu código ambiental, França proíbe a destruição de alimentos não vendidos e obriga os retalhistas a doá-los, em conformidade com a hierarquia de prevenção do desperdício alimentar que prioriza a redistribuição de alimentos seguros para o consumo humano.

5Estabelecer uma meta para reduzir resíduos de construção e demolição. Por exemplo, o País de Gales (Reino Unido) definiu uma meta de 1,4% anualmente até 2050. Para alcançar este objectivo, será importante introduzir auditoria de pré-demolição e requisitos de demolição seletiva para edifícios, tal como na Áustria, permitindo assim a reutilização de materiais de construção e demolição.

6O Decreto Real Espanhol (no 110/2015) sobre resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos estabelece requisitos para recolha seletiva, transporte e armazenamento para criar condições adequadas à reutilização. Os pontos de recolha são obrigados a ter um espaço dedicado para mercadorias reutilizáveis.

7A obsolescência programada é definida por todas as técnicas pelas quais o produtor visa reduzir deliberadamente a duração de vida de um produto para aumentar a sua taxa de substituição.

8O Artigo 8ºA (4) WFD estabelece que os custos do tratamento de resíduos devem ficar a cargo do produtor que colocou os produtos no mercado. Os EM devem tomar as medidas necessárias para garantir que os detentores de resíduos incluídos no regime de EPR sejam informados sobre as medidas de prevenção de resíduos, centros de reutilização e preparação para reutilização, devolução e recolha seletiva. Os custos do fornecimento das informações adequadas aos detentores de resíduos devem ser cobertos por este programa.

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