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Align climate justice with circular economy

Estratégias para reduzir a pegada carbónica e material do setor da construção e habitação

O Climáximo, movimento de luta pela justiça climática, organizou um acampamento ativista e desafiou a CEP a animar uma das conversas temáticas que aconteceram durante o evento. O formato era world café e o tema “modelos económicos mais justos e sustentáveis”. Decidimos partir da edição 2022 do Circularity Gap Report e preparar uma conversa sobre a relação entre consumo de materiais e pegada carbónica, focando-nos no setor em que os impactos são maiores: a construção e habitação.

A nossa economia linear consome 100 mil milhões de toneladas de materiais por ano e desperdiça mais de 90%. 70% das emissões de gases com efeito de estufa estão ligadas à extração e uso de materiais. Assim, a trajetória de mudança passa necessariamente por alterações radicais na nossa forma de usar os materiais necessários ao bem-estar humano.

O relatório propõe uma série de intervenções em diferentes setores da economia global, que no conjunto permitiriam alcançar uma redução do consumo de materiais em 28%, assim como uma redução das emissões de GEE em 39%. A infografia que acompanha o relatório é muito expressiva, mostrando o peso do setor da construção e habitação na transformação desejada. No seu conjunto, estas intervenções, a operacionalizar até 2032, permitiriam limitar o aquecimento global a 1,5 graus.

https://www.circularity-gap.world/2022#Download-the-report

Durante a discussão, passámos em revista as 6 estratégias propostas para o setor da construção e habitação e recolhemos os comentários, ideias e exemplos dos participantes. Aqui fica um resumo em forma de lista:

1. CONSTRUÇÃO EFICIENTE

Economia: 3,45 Gt (gigatoneladas) de emissões e 4,05 Gt de materiais

Estratégias: Design frugal, materiais de construção locais.

Ideias e comentários: Tijolos de cânhamo; construção em taipa. Barreiras: o mercado tem sido lento na adopção de biomateriais; alguns materiais sustentáveis não são próprios para construção em altura.

2. SOLUÇÕES DE HABITAÇÃO NATURAIS

Economia: 6,47 Gt de emissões e 3,07 Gt de materiais

Estratégias: Telhados verdes, casas passivas, autoprodução de energia renovável

Ideias e comentários: Cooperativas de Energia Renovável (por ex. Coopérnico); autoprodução de eletricidade com painéis solares. Infelizmente ainda há muitas barreiras burocráticas para revenda da energia excedente à EDP.

3. USO EFICIENTE DO ESPAÇO

Economia: 3,16 Gt de emissões e 8,38 Gt de materiais

Estratégias: Menos espaço de vida, coabitação, espaços multifuncionais, limitar a expansão do parque residencial

Ideias e comentários: A expansão do cohousing tem de ser acompanhada por um trabalho cultural – co-construção de regras, resolução de conflitos; a relevância do cohousing sénior, que liberta espaço de casas demasiado grandes para idosos que vivem sozinhos, ao mesmo tempo que proporciona qualidade de vida; a importância do planeamento territorial (convergir para espaços de densidade habitacional adequada, facilitando o transporte público e a interação comunitária).

4. AUMENTAR A DURABILIDADE DA HABITAÇÃO

Economia: 2,15 Gt de emissões e 5,28 Gt de materiais

Estratégias: Reabilitação

Ideias e comentários: Importância de dinamizar a reabilitação das casas devolutas (a sacralização da propriedade privada pode ser barreira, faltam mecanismos legais para obrigar à colocação no mercado de casas devolutas, que funcionam como assets para os proprietários); turismo, nomeadamente de luxo, como veículo de reabilitação constitui um problema pois empurra a classe média e baixa para a periferia; necessário introduzir outros modos de financiamento da reabilitação – exemplo da câmara de Hamburgo (Alemanha), que subsidiou e apoiou projetos cooperativos de reabilitação.

5. MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CIRCULARES

Economia: 1,14 Gt de emissões e 3,55 Gt de materiais

Estratégias: Materiais de construção com conteúdo reciclado, aproveitamento de resíduos de construção e demolição, reutilização de materiais

Ideias e comentários: Estúdio holandês Superuse identifica materiais secundários num raio de 10 km do local da construção/reabilitação; problema do baixo custo de materiais de construção virgens (como por exemplo os agregados como areia ou brita)

6. HABITAÇÃO EFICIENTE EM RECURSOS

Economia: 1,96 Gt de emissões e 0,79 materiais

Estratégias: Melhor isolamento térmico, economia e reutilização de água, contadores inteligentes

Ideias e comentários: Empresa social belga que faz diagnósticos energéticos, ajudando famílias de baixos rendimento a melhorar a eficiência energética das suas casas; programa Edifícios + Sustentáveis do Fundo Ambiental (burocracia e necessidade de avançar dinheiro são barreiras)


A questão do ordenamento do território mereceu muita atenção durante as conversas e leva-nos a formular um ponto adicional, abordado apenas superficialmente no relatório, mas que tem especial relevância no contexto português:

PROIBIR A CONSTRUÇÃO EM ÁREAS DE INTERESSE ECOLÓGICO

A aplicação estrita desta regra permite poupar recursos, emissões e ecossistemas que devem ser protegidos para as gerações futuras.

A humanidade tem invadido áreas naturais e construído cada vez mais edifícios ao longo de centenas de anos. Obviamente, são necessárias casas para as pessoas morarem, assim como diversas infraestruturas socioeconómicas. Mas qual é o valor de resorts de luxo junto à praia, destinados às elites? Esta é a ameaça que paira sobre a costa entre Tróia e Sines, no Alentejo. Estão previstos empreendimentos turísticos que irão danificar irreversivelmente uma das últimas e mais bem preservadas zonas selvagens da costa ibérica.

Um dos princípios de uma economia circular é regenerar e proteger os ecossistemas. Projetos de construção destruidores do ecossistema natural e da biodiversidade local não se enquadram numa economia circular. Enquanto este princípio não for reconhecido e aplicado, a transição para uma economia circular e de baixo carbono nunca será concretizada.

A terminar, recomendamos uma visita ao site dos nossos amigos da Critical Concrete, coletivo de arquitetos do Porto que trabalha os temas da sustentabilidade e da co-criação comunitária nas intervenções arquitetónicas, nomeadamente para habitação. Este é um exemplo do trabalho que é necessário fazer para conduzir o setor da construção e habitação na direção certa.

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