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Desperdício Alimentar e Economia Circular: como dar a volta ao lixo delicioso

Deitar fora comida deixa-nos a todos com uma indigestão de culpa, principalmente quando ressoa na nossa memória a frase “tanta gente a passar fome e tu não comes o que está no prato!”. Para apaziguar o estômago e a consciência, preparamos um chá de boas intenções futuras, mas assim que o caixote do lixo se fecha, dissipam-se os vapores deste problema…
Se os impactos sociais são há muito conhecidos e reconhecidos (mas nunca resolvidos), os impactos económicos foram recentemente estimados pela FAO e pela União Europeia: um terço de toda a produção alimentar humana é desperdício.Na Europa, cerca de 88 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente, com um custo associado de 143 biliões de euros. Em Portugal e por ano, 1 milhão de toneladas de alimentos são deitados para o lixo, o que levou à publicação de um conjunto de novas medidas no âmbito da Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar.

E num tempo em que se fala tanto das alterações climáticas, sabia que o desperdício alimentar é responsável por uma emissão de gases de efeito de estufa equivalente à da rede global de transportes terrestres? Segundo a FAO, se o Desperdício Alimentar Mundial fosse um país, seria o terceiro emissor destes gases, logo a seguir à China e aos Estados Unidos, contribuindo para o aquecimento global… Perdeu o apetite?

A situação é, porém, reversível. Reintegrando os resíduos na economia, enquanto recursos, e maximizando a eficiência destes ao longo de toda a cadeia de valor, obtém-se aquilo a que a Economia Circular chama “ciclo fechado”: nada se perde, tudo se transforma, num perpétuo reaproveitamento amigo da natureza. Este modelo económico, que quer pôr fim a todos os tipos de desperdício, constitui um contributo promissor para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para 2030, dos quais uma das metas é “reduzir para metade o desperdício de alimentos per capita a nível do retalho e do consumidor e reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e de abastecimento”.

Para responder a este desafio surgiram em Portugal várias iniciativas que trabalham para evitar os desperdícios ao longo de toda a cadeia de abastecimento alimentar, na exploração agrícola, nas lojas, nos restaurantes:

  • A Re-food e a Dariacordar/Zero Desperdício são associações sem fins lucrativos que, voluntariamente, recolhem os alimentos (sobras de refeições, alimentos que se aproximam do fim da data de validade) a partir de uma vasta rede de dadores (supermercados, restaurantes, cafés, hospitais, hotéis) para depois os distribuir pelas famílias carenciadas.

  • A cooperativa Fruta Feia trabalha diretamente com os agricultores para escoar as frutas e legumes que não cumprem a Normalização, ou seja, o conjunto das regras de calibre, cor e formato. Ironicamente, esta Normalização foi imposta pela UE, que agora se vê soterrada em produtos que ensinou os consumidores a ver como “esteticamente impróprios para consumo”…

  • O GoodAfter.com é “um supermercado online dedicado à venda de produtos que se encontram perto do fim do prazo de consumo preferencial, ou mesmo ultrapassado esse prazo”. Desta forma tenta contrariar uma interpretação generalizada e errónea da expressão «consumir de preferência antes de» como sendo o prazo de validade a respeitar, o que leva a que se deitem fora alimentos comestíveis e seguros. Mais uma vez, a UE terá de clarificar e melhorar a sua própria legislação…

  • O projeto Muita Fruta pretende mapear, recuperar, cuidar e usar de modo sustentável as inúmeras árvores de fruto da cidade de Lisboa. Para tal, tem vindo a realizar um conjunto de atividades para combater o desperdício: workshops para podar árvores, confeção de compotas, jantares com chefs, etc.

Para que esta lista (não exaustiva) fique mais completa, só falta apostar na tecnologia e criar uma aplicação portuguesa semelhante à Too Good to Go, ResQ Club ou Gebni. Estas aplicações permitem aos restaurantes divulgar online as refeições que não foram vendidas às horas de almoço/jantar e que podem ser adquiridas posteriormente a preços reduzidos.

Ok. Faltamos nós, os consumidores. Cabe-nos a maior fatia, mais de 50% do desperdício alimentar de acordo com os dados da União Europeia. A boa notícia é que podemos reduzir facilmente esta percentagem, poupando dinheiro e protegendo a nossa saúde assim como o ambiente. Amanhã publicamos a nossa estratégia doméstica para evitar o desperdício, em sete etapas!

Junte-se à Circular Economy Portugal e ao Impact Hub no dia 23 de Fevereiro às 19h para falar de Desperdício Alimentar: causas, implicações, soluções.

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