Sem políticas bem desenhadas, a economia circular não pode progredir. Com as eleições legislativas a aproximarem-se, achámos que este era o momento de olhar para os programas dos partidos e perceber, em matéria de economia circular, qual a visão e a abordagem de cada um.
Criámos 5 grandes categorias de análise: a) medidas transversais; b) consumo sustentável, c) design circular, reparação e reutilização; d) gestão de resíduos; e) transformação industrial. Nesta tabela podes ver o que os partidos dizem nos seus programas sobre cada uma destas categorias. A cor verde brilhante indica medidas que nos parecem especialmente ambiciosas, ainda que nem sempre exista informação sobre como pô-las em prática. Não incluímos o CDS-PP, por fazer apenas uma breve menção à Economia Circular, num documento muito breve, nem a Iniciativa Liberal por tocar apenas na questão dos REEE (resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos).
Aqui fica uma síntese da nossa análise:
a) Medidas transversais
Meta relativa ao consumo de materiais: o Livre e o PAN apontam a necessidade de reduzir o consumo global de recursos, mas nenhum partido propõe o estabelecimento de uma meta de redução do consumo de materiais primários (minerais, metais e combustíveis fósseis). Esta ambição parece-nos fundamental. Consideramos, tomando como referência a Holanda, que um compromisso sério para com a economia circular passa por reduzir para metade o consumo de matérias-primas até 2030.
Para além do PIB: o Livre, o PAN e o PSD querem medir o desempenho da economia nacional de forma mais holística, introduzindo indicadores relativos ao capital natural. Faz muito sentido trazer este tipo de indicadores para o mainstream económico.
Fiscalidade verde: A CEP vê aqui uma ferramenta fundamental para alavancar a economia circular. Defendemos a taxação da matéria-prima virgem, em detrimento do trabalho. Dessa forma, a preparação para a reutilização e a reciclagem, atividades normalmente intensivas em mão de obra, poderiam gerar mais emprego e os materiais secundários delas resultantes seriam mais competitivos. Se fosse aplicado um imposto ambiental sobre os plásticos virgens (feitos de petróleo) colocados no mercado português, os plásticos reciclados tornar-se-iam mais competitivos – para dar um exemplo.
Os partidos referem-se de forma genérica ao aprofundamento deste tipo de mecanismos, com exceção do BE (Bloco de Esquerda) e da CDU. Estes partidos opõem-se, de forma geral, ao uso daquilo a que chamam “mecanismos de mercado”; consideraram que, para além de serem ineficazes, oneram os mais pobres, aumentando as desigualdades (se um imposto encarece os combustíveis e não existe alternativa viável para a deslocação diária da periferia para as cidades, quem se ressente são sobretudo as famílias com menores rendimentos).
No seu programa, o PAN denuncia aquilo que constitui de facto uma perversão da fiscalidade verde neste momento: parte da TGR (taxa de gestão de resíduos) está a ser utilizada para financiar a incineração de resíduos.
b) Consumo sustentável
Todos os partidos excepto o BE e a CDU se referem à necessidade de promover a aplicação de critérios ecológicos/circulares nas compras públicas. Portugal tem desde 2016 uma Estratégia Nacional de Compras Públicas Ecológicas. Este instrumento tem vindo a ser reforçado com a publicação de guias por tipo de produto, mas é pouco aplicado pelos municípios, administrações e outros agentes públicos, nomeadamente por falta de sensibilização e formação dos técnicos. PSD e Livre mostram estar a par da situação, referindo-se explicitamente à necessidade de garantir a aplicação na prática desta estratégia.
c) Design circular, reparação e reutilização
É positivo verificar que, na generalidade dos programas, a economia circular já não é só resíduos e reciclagem. O design circular e/ou a promoção da durabilidade e o combate à obsolescência programada são mencionados por todos os partidos.
O problema das embalagens de plástico é também identificado por todos exceto PDS e CDU, com diferentes propostas: o BE e o Livre destacam a eliminação dos plásticos de uso único, e falam também, como o PS, em cortar o excesso de embalagem. O BE propõe concretamente que “até 2024, pelo menos metade do produto de bebidas deve ser colocado no mercado em embalagens reutilizáveis, mediante tara recuperável.”
A reparação também merece atenção generalizada (exceto PDS e CDU), com propostas concretas como a criação de um índice de reparabilidade (PS) e a redução do IVA associado às reparações de equipamentos elétricos e eletrónicos (PAN).
d) Gestão de resíduos
PS e PAN identificam a necessidade de premiar quem separa e produz menos resíduos, sendo que o PAN vai mais ao pormenor, mencionando a generalização dos sistemas PAYT (Pay As You Throw) mas condicionando a implementação destes sistemas à disponibilidade de recolha porta-a-porta.
Os fluxos específicos de resíduos são questão fundamental para a CEP: como assegurar que materiais como os plásticos e os REEE (resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos), entre outros, são captados pelo sistema de gestão e devidamente valorizados? Os REEE são neste momento o fluxo com menor sucesso em termos de retoma, estando todas as entidades gestoras bastante aquém das quotas contratuais (a Iniciativa Liberal dá aliás bastante destaque a esta questão no seu programa). A revisão dos ecovalores atualmente praticados é apontada como (uma) solução por PSD e PAN. Igualmente importante é, do nosso ponto de vista, a monitorização e fiscalização eficaz do trabalho das entidades gestoras.
A generalidade dos partidos fala na importância de melhorar a recolha seletiva e de promover a criação de novos fluxos específicos. Nesta matéria, a implementação de um sistema de depósito e retorno (tara recuperável para embalagens de bebidas), previsto na lei mas que tem sofrido atrasos, pode significar avanços importantes. O PAN enumera detalhadamente os novos fluxos desejáveis: têxteis e calçado (já previsto na lei), cápsulas de café, têxteis sanitários, resíduos de construção e demolição, colchões, plásticos agrícolas.
e) Transformação industrial
O BE põe em cima da mesa a reconversão da indústria cimenteira, que deverá passar a incorporar resíduos de construção e demolição; a CDU menciona brevemente o apoio a soluções produtivas mais ecológicas. Mas os temas da eficiência no uso de recursos e da incorporação de matéria-prima secundária merecem a atenção sobretudo do PS, PSD, PAN e Livre. Programas, estratégias, ecoinovação são os termos que se destacam, assim como a desburocratização dos processos de desclassificação de resíduos (para facilitar a sua valorização enquanto matéria-prima secundária). A indústria têxtil merece especial atenção por parte do Livre, que ambiciona “diminuir o impacto da indústria da roupa e moda”. O PS dedica um longo parágrafo à bioeconomia, cujo desenvolvimento é fundamental para o aproveitamento do enorme valor contido nos resíduos orgânicos (urbanos e não-urbanos), que se devidamente processados, dão origem a fertilizantes, biogás, químicos renováveis e diversos materiais.
Limitações desta análise
Para concluir este exercício, queremos salientar que esta análise é limitada. Não é fácil comparar programas eleitorais, que são elaborados com lógicas e categorias diferentes, uns apostando no detalhe e outros na concisão. Mas achamos que o exercício vale a pena, para perceber como é que as estratégias de economia circular estão (ou não) a ser incorporadas pelos partidos nas suas visões para o país. Concentrámo-nos naquilo que os partidos dizem explicitamente sobre o tema, e é possível que nos tenham escapado ideias circulares apresentadas noutros pontos dos programas. Não considerámos uma série de questões fundamentais para o equilíbrio ecológico e inerentes a uma economia circular, como energia, água, transportes, agricultura e florestas; orientámos o nosso foco para os materiais e resíduos, porque foi nesta aceção que os partidos usaram o conceito de EC e porque estas são também as áreas que conhecemos melhor.