Não vamos atingir as metas de reciclagem sem melhorar a compostagem dos biorresíduos

Na composição do nosso caixote do lixo, os biorresíduos pesam cerca de 40%. A partir de 2024, a recolha seletiva de biorresíduos passa a ser obrigatória. Para lidar com este fluxo, é essencial que, além da recolha porta-a-porta, Portugal invista no tratamento in situ (compostagem comunitária e doméstica).

A meta de preparação para a reutilização e reciclagem dos resíduos urbanos (RU) para 2035 é de 65%, enquanto a meta de deposição em aterro é de 10% da quantidade total de RU produzidos. Infelizmente, o que se tem constatado nos últimos anos é que a deposição em aterro anda pelos 60% e a incineração pelos 20%. Estas formas de “tratamento” geram emissões nocivas e impactos ambientais. Por outro lado, a taxa de reciclagem em Portugal foi de apenas 16,1% em 2020, sendo que a valorização orgânica dos biorresíduos representa quase metade do total (7,2%) (fonte a).
Em média, o teor de biorresíduos nos resíduos urbanos é de 40%. Contribuem para esse número os resíduos orgânicos das habitações e setor privado (horeca), os resíduos dos espaços verdes e uma parte dos finos (que tem muitas partículas com origem na fração orgânica).

A maior parte da atual valorização orgânica é conseguida à custa de instalações de tratamento mecânico e biológico (TMB) (fonte b & c). Com esta reciclagem de biorresíduos a partir da recolha indiferenciada obtém-se um composto de fraca qualidade e potencial de aplicação reduzido. A Diretiva (UE) 2018/851 (vertida na legislação nacional no Decreto-Lei nº 102-D/2020) impõe que, a partir de 2027, apenas sejam contabilizados para a meta de reciclagem os biorresíduos de recolha seletiva. Quer isto dizer que, dentro de 5 anos, Portugal pode sofrer um drástico recuo na reciclagem em vez do avanço desejável.

A aposta que os SGRUs (Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos) estão a fazer com mais consistência é na recolha seletiva de biorresíduos. Os estudos (fonte b & d) apontam para custos elevadíssimos de investimento e operação para a recolha seletiva de biorresíduos, nomeadamente para valores a +/- 230 €/t para uma taxa de captura de biorresíduos de 10% e +/- 130 €/t para uma taxa de 55%.

As dezenas de estudos municipais apontam para uma taxa de captura de biorresíduos a rondar os 50%. Mesmo que venha a ser alcançada, será esta quantidade suficiente para cumprir em pleno a meta de reciclagem de RU para 2035? Estes biorresíduos vão continuar a alimentar os TMB (numa substituição gradual dos resíduos indiferenciados pelos da recolha seletiva), sem aumento de capacidade de tratamento.

Qualquer nova instalação centralizada de tratamento de biorresíduos demora muitos anos a entrar em funcionamento – decisão, projeto, financiamento, estudos de localização, construção, licenciamento, etc – e requer um investimento elevadíssimo para a respetiva construção, operação e alimentação, considerando ainda depois todos os investimentos necessários em contentorização (com contentores cada vez mais sofisticados), recolha, e transporte em viaturas dedicadas.

Em alternativa, à semelhança do que já se passa em muitos locais na Europa (1), a aposta pode ir para a compostagem descentralizada. Existem vários tipos: compostagem agrícola (2), municipal (3), comunitária e doméstica in situ – para uma descrição mais detalhada, ver aqui (fonte e). Uma combinação destes modelos é necessária para dar resposta à totalidade dos biorresíduos produzidos, através de um tratamento de alta qualidade e envolvendo um transporte de muito pequenas distâncias em relação aos pontos de produção/recolha. Isso reduzirá significativamente as emissões de gases com efeito de estufa.

Projeto Tabuinhas: compostagem doméstica e comunitária no município de Tabuaço em Viseu

O tratamento in situ dos biorresíduos, através da compostagem comunitária e doméstica, tem mais vantagens comparado com o tratamento industrial, pois é uma operação simples que não necessita de muitos equipamentos nem licenciamento. E fica significativamente mais barata.

É inspirador o que se passa em Pontevedra. Esta região da Galiza, com quase um milhão de habitantes, tem como objetivo tratar 75% dos biorresíduos através da compostagem comunitária e doméstica (através do seu Plan Revitaliza, em execução). Várias localidades do País Basco, com atribuição Zero Waste Cities (fonte f), enviam para destino final (incineração/aterro) menos de 30% dos RU (em alguns casos, menos de 20%); a compostagem comunitária e doméstica, introduzidas em Planos de Gestão de RU integrados, têm um papel determinante (fonte g).

Em resumo, sem a compostagem da quase totalidade dos biorresíduos não há cumprimento das metas comunitárias de reciclagem de RU. Portanto, Portugal tem de investir, de uma forma generalizada, no tratamento in situ dos biorresíduos (compostagem comunitária e doméstica), bem como noutras formas de tratamento descentralizado, dependendo do contexto local.

Sobre o autor

Pedro Carteiro é engenheiro do ambiente e consultor. Saber mais.

Creditos fotográficos

Notas

  1. Exemplos de sucesso, em Chambéry (França), Lumbier (Espanha), Pontevedra (Espanha), San Sebastián (Espanha), Flandres (Bélgica) ou Zurique (Suíça) (fontes 7 e 9)
  2. A compostagem agrícola é num contexto de articulação com os biorresíduos urbanos, como já existem alguns projetos em Espanha e, há mais tempo, na Flandres.
  3. Compostagem municipal é uma forma descentralizada de compostagem, em instalações pequenas com pouca ou nenhuma mecanização. Um exemplo nacional: Unidade Municipal de Compostagem em Castro Verde.

Documentos consultados:

a) Dados sobre resíduos urbanos | Agência Portuguesa do Ambiente. Acedido 24 de setembro de 2022.

b) AEPSA. Estudo Técnico e Financeiro Relativo à Recolha de Biorresíduos. 2020.

c) Agência Portuguesa do Ambiente. Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030, em elaboração). 2021.

d) EY/APA. Estudo prévio sobre a implementação da recolha seletiva em Portugal Continental incidindo em especial sobre o fluxo dos biorresíduos. 2019.

e) COMPOSTAGEM. Acedido 24 de setembro de 2022.

f) «The Zero Waste Masterplan». Zero Waste Cities. Acedido 24 de setembro de 2022

g) «Datos». Tolosaldeako Mankomunitatea. Acedido 24 de setembro de 2022.

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